sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Há quem prefira a advertência "perigo de vida" a "perigo de morte", donde se conclui que há justificativa e gosto para tudo

Houve tempo em que a advertência "perigo de vida" não causava estranheza. Isso foi no século passado. Depois, alguns sábios mais críticos começaram a criticar, porque eram críticos, a aparente contradição entre as palavras "perigo" e "vida"; consideravam que vida jamais poderia ser apontada como perigo porque não constitui risco, coisa óbvia, mas um bem inestimável, daí o condenável contrassenso, diziam.

Diante disso, começaram a recomendar que se desse mais atenção ao significado das palavras e se corrigisse a advertência vista em caixas ou torres de correntes de alta tensão ou na travessia de linhas férreas.

Deveria ser a seguinte a redação da advertência: "Perigo de morte". Sim, porque o distraído incauto que tocar em fios de alta tensão ou for apanhado por um trem enfurecido corre o risco de perder a vida terrena e ganhar a vida eterna antes da melhor hora, se houver alguma. Corre o risco morrer. Perigo de morte, portanto. E assim passaram a recomendar os estudiosos das boas letras, embora um tanto conservadores. E assim dizem os locutores da TV Globo quando apontam o perigo de alguma coisa: medicamentos falsificados, cruzamentos, tiroteios, alguns desses políticos soltos por aí. Coisas assim. Para a Globo e para vários jornais, portanto, é risco de morte ou perigo de morte.

Mas eis que depois surgiu uma nova leitura dessa velhíssima advertência. Ela passou a ser feita por sábios especialistas em explicar e justificar fenômenos linguísticos.

O fato é que uma das interpretações, levemente aventureira, considera estar subentendida a expressão "perder a" antes de vida. Assim: "Perigo de (perder a) vida". Donde se conclui que a tabuleta "Perigo de vida" está muito bem como sempre esteve e pode continuar assim para sempre como advertência para os muitos perigos desta vida inglória.
(...)
Então por que não reduzir a advertência "perigo de vida" ou "risco de vida" a uma só boa e sumária palavra: "PERIGO"?

Essa advertência sintética iria bem na porta de nossas casas legislativas. E também das executivas e judiciárias. Então seria bom enriquecer o aviso: "PERIGO! CUIDADO!". Ou: "CUIDADO COM A CARTEIRA!". A escolha é sua.

Josué Machado é jornalista,autor de Manual da Falta de Estilo (Editora Best Seller)
Revista Língua Portuguesa - edição 60

Nenhum comentário:

Postar um comentário