sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Com diferenças muitas vezes sutis entre si, os tempos verbais diversificam a enunciação

José Luiz Fiorin

Categoria de tempo
Tempo é a categoria que localiza os acontecimentos numa concomitância, numa anterioridade ou numa posterioridade em relação a um momento de referência presente, pretérito ou futuro, estabelecido em função do momento da enunciação. Os tempos, portanto, são: concomitante do presente, anterior do passado, posterior do futuro etc. Temos, assim, nove tempos.

Como se observa, nos quadros destas páginas, temos um presente (concomitante), um passado (anterior) e futuro (posterior) do presente; um presente (concomitante), um passado (anterior) e um futuro (posterior) do passado e um presente (concomitante), um passado (anterior) e um futuro (posterior) do futuro.

Nossa nomenclatura gramatical leva-nos a pensar que os tempos compostos têm o mesmo valor temporal dos tempos simples correspondentes, o que não é verdade, exceto no caso do pretérito mais-que-perfeito, em que a forma simples está desaparecendo da língua do dia a dia. Vimos, por exemplo, que o chamado futuro do presente composto não é tempo do sistema do presente, mas indica a anterioridade do futuro, sendo, portanto, o pretérito do futuro. O pretérito perfeito composto nem sequer designa tempo, mas denota aspecto iterativo, ou seja, a repetição de uma ação: Tenho feito ginástica todos os dias.

O tempo é manifestado ainda pelos advérbios de tempo, que constituem dois grandes sistemas: um indicando concomitância, anterioridade e posterioridade ao momento de referência presente (por exemplo: hoje, ontem, amanhã) e um assinalando concomitância, anterioridade e posterioridade a um momento de referência passado ou futuro (por exemplo: no mesmo dia, na véspera ou no dia anterior, no dia seguinte). Nos adjuntos adverbiais de tempo, o adjetivo próximo se refere a um presente e o adjetivo seguinte diz respeito a um marco passado ou futuro:
"Presidente do clube promete apresentar reforços na próxima semana".
"No final do ano passado, o presidente do clube prometera apresentar reforços no mês seguinte".


José Luiz Fiorin é professor do Departamento de Linguística da USP e autor de As astúcias da enunciação (Ática).

Tempos do momento de referência presente
1 Presente - Concomitante em relação a um momento de referência presente:
"O ator emociona a todos"
A emoção ocorre no momento da enunciação.
Temos um presente que coincide com o momento da enunciação, o presente pontual (Um raio risca o céu); um presente, em que o tempo do acontecimento é maior do que o momento da enunciação (nesse caso, a coincidência diz respeito ao fato de que o acontecimento engloba o momento da enunciação), o presente durativo (No século 20, a pesquisa brasileira dá um salto de qualidade); um presente que indica que a duração do acontecimento é ilimitada, o presente omnitemporal ou gnômico (As placas tectônicas são subdivisões da crosta terrestre que se movimentam de forma lenta e contínua e, às vezes, se chocam).
2 Pretérito perfeito 1 - Anterior a um momento de referência presente:
"Emagreci trinta e dois quilos"
O emagrecimento se dá num momento anterior ao agora.

3 Futuro do presente - Posterior a um momento de referência presente:
"O Brasil será uma grande potência"
O país se tornará uma potência num momento posterior ao agora.


Tempos do momento de referência pretérito
1 Presente do pretérito: Concomitante a um momento de referência pretérito. Esse tempo é expresso pelas formas que denominamos "pretérito perfeito", aqui chamadas "pretérito perfeito 2", para distinguir do tempo anterior do presente, e "pretérito imperfeito"; a distinção entre elas é aspectual: a primeira assinala um aspecto limitado, acabado, pontual, dinâmico; a segunda marca um aspecto não limitado, inacabado, durativo, estático:
"Quando você entrou na Faculdade, eu já estava no último ano"
Estar no último ano é concomitante ao marco temporal pretérito "quando você entrou na Faculdade" e indica uma duratividade no passado.
"No mês de janeiro, choveu muito"
A chuva é concomitante ao marco temporal pretérito "mês de janeiro" e denota um acontecimento acabado.
2 Pretérito mais-que-perfeito simples ou composto - Anterior a um momento de referência pretérito:
"Ele viajou para o exterior com o dinheiro que juntara em seu trabalho"
Juntar dinheiro é anterior ao momento de referência passado "viajar para o exterior".
"Quando cheguei, ele já tinha saído"
A saída é anterior ao marco temporal pretérito "quando cheguei".
3 Futuro do pretérito - Posterior a um momento de referência pretérito. É expresso pelas formas que denominamos "futuro do pretérito simples" e "futuro do pretérito composto"; a diferença é aspectual: o primeiro indica a imperfectividade (o não acabamento); o segundo indica a perfectividade (o acabamento):
"Naquele jogo, senti que meu time não ganharia o campeonato".
Não ganhar é ação que se realizaria posteriormente ao marco temporal pretérito "naquele jogo"; é ação não realizada e, portanto, não acabada no momento do marco temporal.
"No início da CPI, estava previsto que, no começo do recesso legislativo, ela teria terminado os trabalhos".
O término dos trabalhos é posterior ao marco temporal pretérito "início" da CPI, mas é anterior em relação a outro marco temporal "começo do recesso legislativo", indicando, portanto, uma ação acabada em referência a ele.


Tempos do momento de referência futuro
1 Presente do futuro - Concomitante a um momento de referência futuro:
"No ano que vem, trabalharei e estudarei"
Trabalhar e estudar são ações que ocorrem concomitantemente ao momento de referência futuro "no ano que vem"; observe-se que o verbo aqui não indica uma posterioridade em relação ao momento presente, como no caso do futuro do presente.
2 Futuro anterior - Anterior em relação a um momento de referência futuro (expresso pela forma que denominamos futuro do presente composto):
"No ano que vem, terei terminado o curso"
O término do curso é anterior ao marco temporal futuro "no ano que vem".
3 Futuro do futuro - Posterior ao marco temporal futuro:
"Viajaremos, depois que o ano letivo terminar"
Viajar é um acontecimento posterior ao término do ano letivo.

Revista Língua Portuguesa - edição 57

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