segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Crônica (opinião)

CARLOS HEITOR CONY

A língua da serpente


RIO DE JANEIRO - Li que, na Inglaterra, estão pensando em criar um filtro para controlar a comunicação pela internet -que está sendo acusada de incentivar distúrbios e distorções que prejudicam a sociedade e os cidadãos. Não deixa de ser uma tentativa de censura, mas o furo é mais em cima.
Nas antologias escolares de antigamente havia sempre um pequeno poema de Fagundes Varela que toda uma geração decorava. O poeta perguntava qual era a mais forte, a mais letal das armas e respondia: a língua humana. Nem mesmo com o arsenal nuclear de hoje a língua perdeu a "pole position" na escala da destruição de que é capaz.
Tudo começa lá atrás. Se dermos crédito à fábula bíblica, foi a língua da serpente que expulsou Adão e Eva do Éden, donde podemos concluir que, se a serpente não tivesse língua, ainda hoje estaríamos no paraíso terrestre.
A tecnologia ampliou a malignidade da língua, tudo se pode fazer com ou por meio dela. Não adianta o tal filtro dos ingleses, que pode, no máximo, controlar a pirataria dos veículos audiovisuais, mas jamais controlará a língua daquelas comadres machadianas, patuscas e atentas nas janelas, vigiando a vida dos vizinhos. Isso sem falar na língua de economistas, políticos, formadores de opinião, técnicos de futebol e, naturalmente, todos os tiranos que, periodicamente, ajudam a desgraçar a humanidade.
Em Roma, no início do fascismo, Mussolini (que era bom de lábia) perguntou ao povo reunido na piazza Venezia: "Quereis manteiga ou canhão?". O povo respondeu: "Canhão!". Hitler e Stálin não fizeram por menos.
Ainda bem que Hamlet concordava em parte com Fagundes Varela, quando encerrou seu dilema dizendo que "o resto é silêncio". Houvesse silêncio no mundo, sem as comadres machadianas e se as serpentes não tivessem língua, as coisas estariam melhores.


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2508201105.htm

OPINIÃO

Sacolas para compras, como escolher?

HELIO MATTAR



É preciso avaliar os impactos comparativos dos diversos meios para transportar as compras, buscando a solução de menor impacto negativo



O artigo de Miguel Bahiense, presidente do INP (Instituto Nacional do Plástico), publicado no dia 25 de julho nesta seção ("Sacolas plásticas: em vez de banir, educar"), faz uma recomendação incondicional e equivocada em favor do uso das sacolas plásticas descartáveis.
Por serem descartáveis, as sacolinhas são incompatíveis com um futuro sustentável no longo prazo.
Afinal, são gastas matérias-primas, água e energia, recursos da natureza, para gerar um produto usado poucas vezes e descartado com o lixo, em um processo com impactos ambientais envolvendo desde a extração das matérias-primas até o uso e descarte das sacolas, isto é, todo o "ciclo de vida" do produto.
É necessário avaliar os impactos comparativos dos diversos meios para transporte de compras, buscando a solução de menor impacto negativo. No começo de agosto, foi apresentado um estudo pioneiro, solicitado pela Braskem, maior produtora de resinas termoplásticas das Américas, feito pela Fundação Espaço Eco, especializada em estudos de ciclo de vida, com métodos internacionalmente reconhecidos.
Compara a "ecoeficiência" de várias alternativas de transporte de compras, analisando o impacto ambiental da cadeia produtiva e os seus custos diante da tecnologia e dos métodos de produção atuais, com diversos cenários de uso e de descarte da sacola.
Os cenários variavam em volume de compras, frequência de idas ao supermercado, frequência de descarte do lixo, tipo de matéria-prima utilizada na produção das sacolas, capacidade de carga, custo de cada sacola, número de vezes em que é utilizada, reutilização ou não como saco de lixo e o envio ou não para reciclagem.
Ao variar cada um desses itens, muda o resultado do estudo. Por isso, o uso de um estudo inglês no artigo aqui comentado em defesa do uso das sacolas plásticas descartáveis no Brasil é totalmente equivocado: as condições ambientais, a matriz energética e os hábitos de compra do brasileiro são bastante distintos dos do inglês.
O estudo brasileiro concluiu que: (a) com o aumento do volume de compras, melhora a ecoeficiência das sacolas retornáveis; (b) com o aumento da frequência de ida ao supermercado, melhora a ecoeficiência das retornáveis; e (c) com o aumento da frequência de descarte do lixo, com reuso das descartáveis como saco de lixo, melhora a ecoeficiência das descartáveis.
Assim, a conclusão varia conforme as características das compras e descarte de cada consumidor, melhorando ou piorando a ecoeficiência. A única coisa que não varia é que a descartabilidade não será uma escolha sustentável a longo prazo. Valerá sempre mudar os hábitos de compra e descarte e as formas de transporte de compras buscando melhor ecoeficiência.
Para isso, é importante a educação do consumidor quanto aos impactos ambientais e sociais das escolhas de consumo, como no trabalho do Akatu com apoio da Braskem, envolvendo mais de 1.460 escolas públicas e privadas da rede do Faça Parte. Educado, o consumidor vai demandar mais estudos de ciclo de vida para poder escolher com ecoeficiência cada vez melhor.


HELIO MATTAR, mestre e doutor em engenharia industrial pela Universidade Stanford (EUA), é diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.



http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2908201108.htm

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Metáforas...


SERENATA


Flauta e violão na trova da rua
Que é uma treva rolando da montanha
Fazem das suas.
Não há garrucha que impeça:
A música viola o domicílio
E põe rosas no leito da donzela.


(Serenata - Carlos Drummond de Andrade)



INTOLERÁVEL


Corrupção mata. Entender isso é fundamental para atacar um dos males que mais empatam o desenvolvimento socioeconômico e político do Brasil. Ainda há quem não veja a conexão entre corrupção e violência, mas elas estão intimamente ligadas.
Da mesma forma, devemos entender que a baixa eficiência e o mau funcionamento dos serviços do Estado estão tremendamente relacionados à cultura da corrupção, ao patrimonialismo, à falta de transparência e à baixa capacidade de mobilização social.
A morte da juíza Patrícia Acioli, no Rio, não é apenas um crime brutal. A execução de uma servidora pública correta e rigorosa com os crimes, principalmente os cometidos por agentes públicos, revela a força que as máfias têm no país. E o tamanho que elas adquiriram, graças à corrupção.
Quando a propina chancela e incentiva o desvio de conduta, torna-o cada vez maior. E chega a um ponto em que vê na lei um obstáculo que precisa ser removido, tirando do caminho quem a faz cumprir.
É na má política que se choca o ovo da serpente da violência policial e das relações espúrias entre poder de Estado e delinquência. Quem assistiu aos filmes de José Padilha “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2″ pode ver como a propina de todo dia fortalece a mão que aperta o gatilho contra os inocentes.
A morte de Patrícia Acioli é uma afronta ao Estado democrático de Direito. Ela não é apenas mais uma vítima. Era alguém que, no desempenho de suas funções, buscava combater a barbárie de grupos que querem controlar a vida de quem mora na periferia e, claro, o próprio Estado.
Matar uma juíza revela enorme convicção da própria impunidade. É uma declaração de guerra às leis, à democracia e à sociedade. Assim como é inaceitável que o Brasil conviva com a execução de uma juíza, também não é mais tolerável convivermos com o nível de corrupção que tem marcado o nosso país.
Vemos, na mídia, como a Índia, país com problemas maiores do que os nossos, desperta vigorosamente para o combate à corrupção. E o que falta para o Brasil? Quanto mais indignada for a resposta da sociedade aos escândalos e aos homicídios de cada dia, maior será o poder de reação contra essas mazelas no âmbito do próprio Estado.
A autoridade pública da menor à maior se sentirá fortalecida e incentivada a agir contra a corrupção, que é, em si, uma forma de violência contra a coletividade.
A faxina, então, deixa de ser rápida, como se faz quando chega uma visita inesperada, e passa a ser permanente, vigorosa, profunda. É desse nível de exigência que precisamos. Se nos acostumarmos a deixar barato, perderemos o controle do que é público, do que é de todos nós.
* Artigo da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 19 de agosto de 2011.